No entanto, o índice não é considerado oficial e pesquisadores resolveram monitorar por conta própria o uso de reconhecimento facial em cinco estados brasileiros
Pesquisadores
optaram por monitorar por conta própria o índice de pessoas presas com a
utilização de sistemas de reconhecimento facial, na falta de dados oficiais. Entre
os meses de março e outubro, 151 indivíduos foram presos, em cinco estados.
Monitoramento por reconhecimento facial
O estado da Bahia
ficou em primeiro lugar no ranking, com 52% dos casos de detenção. Em seguida
aparecem: Rio de Janeiro (37%), Santa Catarina (7%), Paraíba (3%) e Ceará (1%).
A pesquisa
foi realizada com foco em reportagens de veículos de comunicação, além de
páginas policiais e de outros órgãos nas redes sociais.
A coleta de
dados foi publicada ontem (21), em um relatório da Rede de Observatórios da
Segurança, grupo que foi criado em maio deste ano para colher indicadores que
não são anunciados oficialmente, entre eles: episódios de racismo, operações
policiais e chacinas.
O coletivo é
composto por centros de estudo da violência da USP (São Paulo), da Universidade
Cândido Mendes (RJ), Iniciativa Negra (BA), da UFC (Universidade Federal do
Ceará) e pelo Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares
(Pernambuco).
Perfil dos detentos
O perfil dos
detentos por reconhecimento facial, de acordo com o estudo, segue uma tendência
da população carcerária brasileira como um todo: 90% eram negros; 88% homens,
com idade média de 35 anos e relacionados especialmente ao tráfico de drogas
(24%) e roubo (24%).
Além disso,
o documento critica duramente o uso do reconhecimento facial no país, afirmando
que os projetos implantados não têm sido tão eficientes e transparentes. Os pesquisadores
realizaram pedidos por meio da Lei de Acesso à Informação a todos os estados. Porém,
para eles, as respostas recebidas foram insatisfatórias. Sobre isso, Pablo
Nunes, coordenador de pesquisa da Rede, explica:
“[Os sistemas de reconhecimento facial] são apresentados como formas de modernização da prática policial, mas na verdade têm representado um retrocesso em relação à eficiência, transparência, accountability [prestação de contas] e proteção de dados pessoais da população.”
Ele ainda
citou o caso da Bahia, onde foi aconteceu o primeiro teste durante as
festividades carnavalescas. Durante os quatro dias da Micareta de Feira de
Santana, a tecnologia captou faces de mais de 1,3 milhão de transeuntes e gerou
903 alertas. Porém, apenas 33 mandados de prisão foram cumpridos, o que
equivale a 4%.
Reconhecimento facial não é tão simples
Os
pesquisadores acreditam que isso ocorreu, pois reconhecer um rosto não é uma
tarefa tão simples. O mesmo acontece na biometria do polegar, o que significa
que a face não é analisada como um todo. Portanto, é a partir da distância
entre alguns pontos que é calculada a probabilidade desta identidade bater com
a da pessoa cadastrada no banco de dados.
Em relação ao
rosto humano, há possibilidades de ter diferenças ou alterações nessas
distâncias, que seriam bem maiores que a de uma digital, ressalta Nunes. Pois,
uma pessoa perde colágeno à medida que fica mais velha, e ainda pode estar
piscando, bocejando, etc.
Emissão de alerta
Há emissão
de alerta quando o indivíduo é filmado pela câmera e possua certo grau de
semelhança com outra pessoa que é alvo de um mandado de prisão em aberto. Este
grau, no entanto, tem de estar calibrado, pois se for alto pode inviabilizar os
avisos e se ainda for baixo pode ocasionar inúmeros falsos positivos.
Um exemplo
prático disso aconteceu no Rio de Janeiro, quando uma mulher e um homem foram
detidos por engano em Copacabana, no mês de julho (e que foram inclusos no
índice total de 151 presos do levantamento).
No caso da
mulher, foi descoberto que a procurada por homicídio já estava detida há quatro
anos, o que fez com que a PM solicitasse uma revisão na base de dados da
Polícia Civil. De acordo com o relatório emitido:
“As tecnologias de reconhecimento facial, como todas as inovações em processo de aperfeiçoamento, estão fadadas a produzir erros. Mas, diferente de que ocorre em outras tecnologias, estes erros podem representar constrangimentos, prisões arbitrárias e violações de direitos humanos.”
Reconhecimento facial em outros estados brasileiros
Neste momento,
os estados de Minas Gerais, Espírito Santo, Pará e o Distrito Federal afirmaram
estar em processo de contratação ou de implementação do uso de reconhecimento
facial. Já a guarda municipal de Pilar, em Alagoas, já possui um projeto de câmeras
desse tipo instaladas no teto do espaço.
Neste caso,
houve um incentivo do governo federal, que autorizou em outubro uma portaria
que regulamenta a utilização de dinheiro do Fundo Nacional de Segurança Pública
para a implementação de sistemas de reconhecimento facial, OCR (Reconhecimento
Óptico de Caracteres), inteligência artificial e outros.
Todavia, de acordo com o relatório, ainda não existe uma preocupação dos governos em preparar protocolos a fim de proteger esses dados e, consequentemente, estariam ignorando a Lei Geral de proteção de Dados Pessoais, sancionada em 2018.
Fonte: Folha de S. Paulo
*Foto: Divulgação